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quinta-feira, 19 de julho de 2007

O valor de uma amizade e o preço de um corcel


Fernado era filho do seu Gervázio que tinha um corcel. Fernando e eu éramos amigos, estudávamos no mesmo colégio. Não éramos tão amigos, mas o que me fazia ir a casa dele quase todos os dias era o corcel de seu pai. Aquilo não era um corcel, era uma nave, cuidada pelas mãos de seu Gervásio.
Não posso deixar de explicar que este senhor já tinha uma saúde um pouco debilitada, pelo menos aparentemente.
O corcelão parecia ser sua vida, pois era um brinco só, já o senhor Gervásio, eu não posso falar o mesmo.
Todos os dias Fernando chegava no colégio.
- ô Fernando, quando o teu pai morrer tu me vende o corcel hein!!
Era o que eu dizia.
Claro que eu falava de brincadeira, mas no fundo, apesar da frieza, era meu sonho ter aquele corcel. Porém, eu falava em um tom bem descontraído para que ele não achasse que eu estaria agourando o pobre e bom homem.
- ô Fernando, quando o teu pai morrer tu me vende o corcel hein!!
E assim se passavam os dias a fio.
Alem da minha paixão pelo corcel, existiam outros motivos para eu querer me apossar do mesmo, eu achava que o guri não iria dar valor ao velho corcel, pelo menos o quão ele merecia.
E também achava que ele nem levasse jeito para dirigir, era até meio fresco, sei lá, poderia até bater o carro.
Eis que certo dia encontro Fernando, que já havia se formado, e conversamos sobre os anos que haviam se passado. A melancolia já era grande quando eu, ao me despedir, desavisadamente, estúpidamente, ignorantemente, soltei:
- ô Fernando, quando o teu pai morrer tu me vende o corcel hein!!
Ele riu.
- e falando no teu velho, como ele anda?
- mortos não andam. - respondeu Fernando bruscamente.
Agora vem o pior.
- e então me vende o corcel!!! – saiu sem querer, querendo.
Putz, o que é que eu fiz?? Vocês leram o que eu falei??
Juro que foi sem querer, escapuliu.
Imediatamente eu me pus no lugar do cara, e fiquei imaginando como eu ficaria chateado. Agora azar, já tinha falado, era tarde.
Mas tentei arrumar o estrago.
- tu está brincando né Fernando? Cinicamente indaguei.
- não. - disse a voz seca de Fernando.
Na hora tive vontade de enterrar a cabeça na terra tamanha era a vergonha. Que nem um avestruz, não que aqueles bichos sintam vergonha, mas que eles enterram a cabeça na terra eles enterram, eu sei por que vi em algum canal de ciência. E agora o que eu ia fazer? Pensei. Pensei. Total. Já to na merda mesmo.
Ta e o corcel vamos negociar? – Perguntei cafajestemente, com os olhos fechados, esperando receber um merecido soco.
- não, eu o quero pra mim. - respondeu Fernando.
Ufa. O soco não veio. E o corcel menos ainda.
Nunca mais eu o vi, nem ele nem o corcel.
Fiquei com pena de Fernando, afinal ele sempre foi um cara legal.
Mas graças a isso eu aprendi certas coisas.
“Leia os anúncios fúnebres com freqüência, e não ache que os filhos dos outros tem a obrigação de te vender algo depois deles morrerem.”
Moral da história:
Perdi um amigo, perdi o corcel e o seu Gervásio morreu.


Lucas Loch Moreira

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