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terça-feira, 25 de março de 2008

O VALOR DA AMIZADE E DE UM GOL

Ary é mais que um goleiro, é um amigo que não foi o tempo nem a morte que me afastou dele. Foi minha culpa. Nossa amizade era tão verdadeira eu se um dia eu fizer um dicionário, colocarei a foto do nosso time onde estou o abraçando, ao lado. Esse ano já voltei ao campinho onde jogávamos umas três vezes, e lá fiquei relembrando da infância correndo sobre aquela grama rala. Minha lástima maior, a que fez encher meus olhos d’água é exatamente o fato que ocorreu comigo e o Ary naquele inverno de... tempos, muito tempo atrás. Ary era meu companheiro de ir ao laguinho ver as meninas dando comida às tartarugas e principalmente de jogar e conversar sobre futebol. Era o Ary que me ajudava a vender os santinhos que davam direito a quadros escolares. Como eu era tímido, ela saia comigo pra me ajudar a vender os meus também. Eu queria muito aquele quadro. Tanto que minha mãe disse que compraria os que faltassem, mas como faltavam muitos e eu estava ciente de nossas necessidades, disse pra ela que tinha vendido todos. Não conseguiria o tão desejado quadro. O Ary, vendo minha tristeza, pegou meu dinheiro e minha cartela dizendo que levaria lá pra mim. Ele trocou, disse que eu tinha vendido todos e ele não tinha conseguido. Bá, quando o diretor me chamou, credo... que felicidade! Olhei pro Ary, sabia que era coisa dele e o abracei agradecido. Aquilo é que era amigo. Ele sempre me convidava pro seu time, embora eu jogasse pouco. Mas no torneio do bairro o melhor time o convidou pra atacar e ele não conseguiu me colocar no time. Acabei jogando no “Excluídos”, um nome bastante sugestivo. Ary, mais que ninguém sabia como eu jogava. Sabia que eu não enfeitava, não usava calcanhar e quando eu preparava o chute era porque eu ia mesmo chutar. E mesmo assim toma gols meus. E ainda dizia: “que bucha heim”. Nesse torneio, o time deles estava invicto quando foi nos enfrentar; e nós não tínhamos vencido nenhuma, aliás, não tínhamos nem empatado. Como eu era o último reserva, pedi pra ele me deixar fazer um gol. Ele topou de pronto. Cinco minutos pro fim eu entrei. Fui tabelando em direção ao gol e quando estava de cara com o Ary, certo de que faria o gol, fiz que ia chutar, tipo o chute falso do Valdívia e passei por ele, que estava estirado feito um trapo velho no chão. Gol. Golaço. Era nosso melhor jogo. Provavelmente seria nosso único ponto. Estava 3 a 3. Todos ficariam gratos a mim. Seria promovido a titular. Mas no ultimo segundo o Zezinho chutou forte de longe. Gol. Fora do alcance do Ary, que atacava com um par de havaianas dentro de suas luvas de lã. Ganhamos por 4 a 3. Todos brigaram com o Ary. Eles viram que o Ary tinha me deixado fazer aquele gol. Ary foi humilhado como nunca antes em toda sua carreira. E no meu time? Todos só queriam saber do Zezinho. No final do jogo fui lá falar com o Ary, que me recebeu assim: _ Sai fora, meu. Tu tinhas que me driblar? Eu não ia defender. E saiu, com olhos marejados, pra nunca mais falar comigo. Arrependo-me de tê-lo traído daquele jeito. Foi como ter lhe furado os olhos. Uma amizade como aquela vale muito mais que uma simples vitória. De pouco adianta meu arrependimento, depois do que fiz. Por que não pensei antes? Por quê?
Elder Nunes Junior

Texto publicado no Cenário de Notícias dia 25/03/2008.

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