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terça-feira, 9 de março de 2010

Romance de um boleiro

Quando eu vi aquele distintivo nela, pensei: ela é do jogo! Vestia um belo uniforme. Short branco, camisa alvinegra e meiões brancos, que lhe acariciavam as panturrilhas. O short, é bom dizer, deixava seu bom preparo físico exposto aos olhos de qualquer torcedor.Tinha o andar de uma bailarina, o olhar feroz de uma zagueiro de segundona gaúcha, as pernas do garrincha.

Como por acaso sentei à mesa ao lado. Ela recém tinha escolhido a dela.

_Uma Polar, por favor!

Aproveitando a atenção do garçom para aquele lado ela o chamou e pediu uma Brahma extra.

Olhei para ela novamente e pensei: o que uma mulher faz num bar. Sozinha. E pedindo cerveja extra? Rapidamente me veio a resposta. Ela queria era conversar sobre futebol com o cara da mesa ao lado, que no (a) caso naquele dia era eu.

Em alguns minutos a gente já estava na mesma mesa. Na dela, é claro. Falamos das nossas preferências táticas, das nossas escalações, plantéis... discutimos jogadas ensaiadas, a linha burra... Enfim... Aquele papo boleiro estava bom. Continuaria ali até que apagassem os refletores.

Marcamos um horário para nos conhecermos melhor.

Propus que fosse sábado. Ela aceitou.

Chegamos no horário combinado. O estádio não estava tão cheio, mas o clima era favorável. Tocava Funk, Hino, Pagode... De tudo. Na hora do hino era mãozinha no peito. Nisso eu pude notar melhor. Atrás dela tinha uma charanga. Redondinha, numa variação perfeita de agudos, médios e graves. Afinadinha. Uma bela charanga. E grande. E a charanga a seguia por onde ela fosse. Sempre. Gostei da charanga.

Começamos a trocar alguns passes. Tabelávamos bem. Dali a pouco já estávamos batendo pênaltis. Às vezes eu batia. Outras ela, aí eu quem defendia. Mas nada de jogo ainda. Não demoraria muito.

Quando tocou um Zeca Pagodinho nós corremos para a bandeirinha para ensaiar uma comemoração no caso de sair algum gol. E ouvimos um apito. Enfim o juiz autorizou. Rolou a bola na arena. A partir dali era onze contra onze.

Eu já estava louco que chegasse aos noventa e até cantarolava: “ Aí, aí, aí, aí, aí... tá chegando a hora... o dia já vem/ raiando, me bem/ e nós temos que ir embora...”

O arbitro sinalizou e subiu a plaquinha. 3 minutos de acréscimos. Tempo para mais umas firulas ali na linha de fundo. Uns cruzamentos aqui, uma cabeceada ali. Nada mais. Afinal era amistoso. E no amistoso a missão é não ser substituído, e eu fiquei o jogo inteiro. E ainda ganhei confiança do professor. Apita o árbitro. Fim de jogo.

Depois marcamos outros tantos. Eles foram ficando cada vez mais pegados, mais quentes. Começamos a treinar juntos. Não demorou muito recebi a faixa de capitão. Referência.

E os jogos seguiam cada vez mais ousados. Umas jogadas de fundo, outras de meia cancha e outras de Muuita cancha. E os lançamentos em profundidade que confundiam a zaga. Sem falar naquela jogada do Ronaldinho: olha pra um lado toca no outro. Desse jeito acabamos com a pintura da casa inteira. Era marca de boladas em todo canto.

Mas até o que é bom cansa. Um dia estava muito entediado com tudo isso. Não queria mais concentrações. Dei um balão.Chutei pra fora do estádio. E ela mandou que eu buscasse a bola. E eu fui. Mas na volta dei um chapéu. Ela não viu. Mas a imprensa estava ali e registrou tudo.

No dia seguinte acordei, ela já tinha levantado. Fui até a porta, o jornal também não estava ali. No seu lugar uma carta do STJD. Nela dizia: “Suspensão por tempo indeterminado... Fora dos gramados por pelo menos 30 dias.” Metade desse eu tempo treinei apenas em campos suplementares e sozinho. Na outra metade freqüentei outros clubes, rodas de pagode e me acostumei fácil com isso. Até que a punição acabou. Mas tinha uma ressalva: se voltasse a acontecer era rescisão de contrato.

Fizemos novamente a pré temporada e iniciamos com uma ótima campanha. Uma goleada atrás da outra. Até que fiz uma jogada perigosa. O juiz tava longe do lance e mandou seguir. Deu vantagem. A imprensa batia em cima. Era toda a favor dela. Contra mim. Piorou tudo quandorecebi uma proposta do exterior. Meus empresários diziam que eu tinha que ir. Eu refutava essa idéia. Gostava da charanga veia. Por culpa dessa dúvida já não jogava todo meu futebol. Ela até já reclamava. E os empresários insistiam que a charanga era mais nova, mais ritmada, o distintivo mais vibrante, maior e melhor desenhado. Além do que, eu ainda poderia treinar lá antes mesmo de assinar o contrato.

Não pude recusar. Dei outro chapéu. Aí veio ela e me deu um amarelo. Fui reclamar, ela puxou o vermelho e na mesma hora me tomou a braçadeira.

Agora ando sem clube. Treinando num estádio aqui, noutro campinho ali... De vez em quando fico meio tarado, digo, parado. Mas o que me dói mesmo é que a braçadeira que ela me tomou não coube no braço do atual capitão do time dela.